O presente do futuro incapaz

O aprimoramento dos meios de diagnóstico e os avanços da Medicina tornaram um fato a previsibilidade de acontecimento futuro que, por determinada patologia, venha trazer incapacidade civil. O Direito tem sido chamado a dar uma resposta aos desafios que emergem desses novos horizontes.

Em tal perspectiva, surge como possível a prévia declaração de vontade de uma pessoa, ainda na plenitude de sua capacidade civil, com o objetivo de disciplinar, por antecipação, o regime jurídico do cuidado de seus interesses para ter efeito no momento de incapacidade superveniente.

O objeto dessa declaração poderá conter: (1) diretivas sobre tratamento médico; (2) disposição sobre direitos transmissíveis, e eventualmente poderá (3) outorgar poderes para alguém agir em seu nome e no seu interesse.

Evita-se, com esse procedimento, a necessidade da curatela, e se abrem as portas para dois fundamentos importantes: (a) o direito constitucional à dignidade da pessoa humana, e (b) a autonomia privada.

No Brasil, ainda que haja uma lacuna normativa (que merece ser preenchida), é possível, à luz do estado atual da arte, um tratamento jurídico legítimo que ofereça a cada pessoa um espaço de autorregulamentação para os momentos cruciais de sua vida, especialmente quando derivar de modo abrupto ou de doença cujas sequelas tornam mais nefasto o ocaso da própria vida.

O valor jurídico dessas situações, quer no plano patrimonial, quer no sucessório, se alcança por meio da exteriorização da vontade antecipada para que venha surtir efeitos jurídicos diante da futura incapacidade civil.

A regulamentação normativa já se faz presente em diversos países: nos Estados Unidos, a experiência jurídica revela sobremaneira a importância prática demarcada pela autonomia e pelo respeito à vontade do declarante; no exemplo da Lei Uruguaia n. 18473, de 17 de março de 2009, possibilita-se a previsão e modo de tratamento pessoal e material de condução em situações tais que, por enfermidade ou acidente, perde-se a capacidade civil de discernimento.

O que está em tela são justamente os limites e as possibilidades – dentro do balanço entre a preservação da dignidade humana e das escolhas individuais que marcam o campo da autonomia – que permeiam a preservação de uma vida digna, inclusive diante do diagnóstico que prevê o perecimento da capacidade civil.

Do catálogo dos direitos fundamentais constitucionais emerge, como consectário do direito a uma existência digna, o direito de exteriorizar, por si ou por outrem, como deseja conduzi-la de modo igualmente digno, diante da inevitável perda da capacidade de agir por si mesmo.

É justamente no sentido de prover a auto-regulamentação individual que, no cruzamento das relações contemporâneas entre direitos fundamentais e autonomia privada, apresenta-se o vasto campo de possibilidades das declarações de vontade antecipada cuja nomenclatura trazida do direito norte-americano para o Brasil foi traduzida como testamento vital.

Trata-se, a rigor, de preservar a vontade antecipada de uma pessoa capaz que,no exercício pleno dos seus direitos, projeta suas aspirações para o planejamento diante de circunstância abrupta ou que, de maneira inafastável, tolherá suas potencialidades humanas racionais.

É o ser humano capaz que, no presente, se impõe diante do imponderável futuro.

Artigo de Luiz Edson Fachin, Carlos Eduardo Pianovski Ruzyk, Melina Girardi Fachin e Marcos Alberto Rocha Gonçalves

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