O papel do Notário na prevenção à lavagem de dinheiro

Resumo
Para compreender a prevenção da lavagem de dinheiro no âmbito notarial, faz-se necessária uma prévia contextualização da problemática da ocultação ou dissimulação da origem ou propriedade de bens decorrentes de atividades ilícitas. Portanto, o primeiro objetivo será explicar a origem, ligação com o crime organizado e como os Estados criaram mecanismos para prevenir e combater a lavagem de dinheiro; para que, em seguida, seja detalhado o papel do notário na prevenção da lavagem de dinheiro, com ênfase na experiência brasileira. Por fim, apresentaremos proposições que poderão ser implementadas no Brasil e demais países do cone sul, além de prognóstico quanto à regulamentação e fiscalização, pelo Poder Judiciário, da forma e abrangência do dever dos notários e registradores de agirem na prevenção da lavagem de dinheiro.

Palavras-chave
Notariado latino. Prudência notarial. Expertise. Tecnologia. Prevenção de crimes. Lavagem de ativos.

 

 

1. INTRODUÇÃO

 

Nas últimas décadas, o crime organizado expandiu-se, arrecadou grandes montantes de dinheiro, passou a atuar de forma transnacional e, de quebra, trouxe consigo as práticas de lavagem de dinheiro, que causam enormes prejuízos à segurança e economia das nações. Os Estados reagiram e organizaram-se para combater, de forma coordenada, o crime organizado e a lavagem de dinheiro. A partir da pesquisa legislativa e bibliográfica, estudaremos algumas normas internacionais e brasileiras que conformam a atuação preventiva e repressiva dos países e organizações internacionais e, em seguida, analisaremos o papel do notário na prevenção da lavagem de dinheiro, destacando o que já está em funcionamento e trazendo proposições e prognósticos quanto à maior potencialização do uso do notariado nessa importante missão, que muito engrandecerá a bem afamada instituição notarial e trará contribuição expressiva para a comunidade nacional e internacional.

 

 

2. A PROBLEMÁTICA DA LAVAGEM DE DINHEIRO

 

A expressão lavagem de dinheiro está consagrada pela população e pelos veículos de comunicação, expressando a ideia de ocultação ou dissimulação da natureza, origem, localização, disposição, movimentação ou propriedade de bens, direitos ou valores provenientes do crime.

Em 1982, um processo judicial nos Estados Unidos da América valeu-se da terminologia money laundering para referir-se à aplicação de dinheiro proveniente do tráfico de entorpecentes em lavanderias automáticas, para dar-lhe aparência legítima. Foi a primeira vez que a expressão “lavagem de dinheiro” foi empregada no âmbito do Poder Judiciário (BONFIM; BONFIM, 2008, p. 27-28).

A problemática da lavagem de dinheiro ganhou destaque por sua relação com o crime organizado. A ênfase dada à forma de utilização do produto do crime ajudou a combater o problema no nascedouro, pois, como afirma Fausto Martins de Sanctis (2015, p. 27), “o esclarecimento das práticas de lavagem de valores constitui modalidade eficaz de combate ao crime organizado”.

A lavagem de dinheiro também guarda íntima relação com a corrupção e com o crime de colarinho branco em todas as suas modalidades, sempre com impacto muito prejudicial ao desenvolvimento econômico, como salienta enfaticamente o Conselho da Justiça Federal (CEJ, 2002, p. 28), porquanto “leva à sonegação de impostos e ao desmantelamento de empresas legalmente estabelecidas”.

Deve-se destacar que a lavagem de dinheiro não é um problema local, que deve ser encarado isoladamente por um país. A globalização e o empoderamento do crime organizado exigem que os Estados auxiliem-se mutuamente e convertam suas ações de combate à lavagem de dinheiro para a mesma direção.

Como explica Márcio Adriano Anselmo (2010, p. 358):

Diversos são os organismos internacionais que se ocupam do tema, sendo o de maior proeminência o GAFI-FATF – Grupo de Ação Financeira para a Lavagem de Dinheiro (Financial Action Task Force). Igualmente merecem destaque a Organização das Nações Unidas-ONU, que lançou as bases do atual sistema por meio da Convenção de Viena, a Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico – OCDE, o Comitê de Supervisão Bancária de Basileia, o Grupo de Egmont, a INTERPOL, o Banco Mundial e o Fundo Monetário Internacional, entre outros.

Os países e blocos internacionais têm a árdua missão de prevenir, investigar e combater o crime organizado e a lavagem de dinheiro, que valem-se de práticas cada vez mais sofisticadas e contornos transnacionais. Apesar das grandes dificuldades, o crime de lavagem de dinheiro deve ser combatido de forma contundente e profícua, no plano nacional e internacional, pois, “sem dúvida, trata-se de um crime que atinge tanto a ordem jurídica, como as empresas legítimas e, em última análise, afeta a organização da economia dos países” (CEJ, 2002, p. 25).

Por causa da natureza clandestina da lavagem de dinheiro, torna-se muito difícil calcular ou mesmo estimar o volume total de fundos lavados que circulam nacional ou internacionalmente.

Há duas décadas, Arnoldo Wald (1998) destacava que a circulação do dinheiro decorrente de crimes estava alcançando valores astronômicos, e, “ao que parece, mais de 300 bilhões de dólares e até, talvez, 500 bilhões (ou seja, quase o PIB brasileiro) estão sendo ‘lavados’ anualmente pelo sistema financeiro internacional”. Segundo o Conselho de Controle de Atividades Financeiras, especialistas estimam que cerca de US$ 500 bilhões em “dinheiro sujo” – cerca de 2% do PIB mundial – circulam anualmente na economia (1999, p. 8).

O Jornal do Commercio noticiou, a partir de dados da Polícia Federal e do Ministério Público Federal, que empresas de fachada no Brasil lavam por ano cerca de US$ 10 bilhões por meio de contrabando, tráfico de entorpecentes e subfaturamento em operações de exportação (CEJ, 2002, p. 26).

Os dados são alarmantes e, de acordo com o promotor público Dandy Jesus Leite Borges (2018, p. 93): “Uma certeza existe: não é possível combater o crime organizado e a corrupção somente com técnicas tradicionais de investigação”.

Não há dúvidas de que o enfrentamento e repressão ao crime organizado e à lavagem de dinheiro demandam planejamento estratégico, ações interinstitucionais e muito treinamento do exército de defensores do Estado Democrático de Direito.

O notário assume papel de destaque nesse processo preventivo, por ser o agente de pacificação social incumbido de interpretar e formalizar juridicamente a vontade das partes. Daí a importância do notariado compreender o conceito e as etapas da lavagem de dinheiro, investir em tecnologia e segurança jurídica, reforçar seus órgãos colegiados e assumir o protagonismo já exercido em outros países.

 

2.1 Conceito de lavagem de dinheiro

Para o Conselho de Controle de Atividades Financeiras, “pela definição mais comum, a lavagem de dinheiro constitui um conjunto de operações comerciais ou financeiras que buscam a incorporação na economia de cada país dos recursos, bens e serviços que se originam ou estão ligados a atos ilícitos” (1999, p. 8).

De acordo com Marcia Monassi Mougenot Bonfim e Edilson Mougenot Bonfim, lavagem de dinheiro consiste no processo composto por fases sucessivas, que tem por finalidade introduzir na economia ou no sistema financeiro, bens, direitos ou valores procedentes dos crimes, ocultando essa origem delitiva (2008, p. 28).

Na definição de Adrienne Giannetti Nelson de Senna (COAF, 1999, p. 4):

Lavagem de dinheiro é o processo pelo qual o criminoso transforma recursos ganhos em atividades ilegais em ativos com uma origem aparentemente legal. Essa prática geralmente envolve múltiplas transações, usadas para ocultar a origem dos ativos financeiros e permitir que eles sejam utilizados sem comprometer os criminosos. A dissimulação é, portanto, a base para toda operação de lavagem que envolva dinheiro proveniente de um crime antecedente.

No Brasil, o crime de lavagem de dinheiro está tipificado como “ocultar ou dissimular a natureza, origem, localização, disposição, movimentação ou propriedade de bens, direitos ou valores provenientes, direta ou indiretamente, de infração penal” (BRASIL, Lei 9.613, 1998, art. 1º).

 

2.2 Fases da lavagem de dinheiro

Para que seja possível prevenir e combater o crime de lavagem de dinheiro, deve-se compreender a sua dinâmica, para criar desconexões no plano criminoso.

A resolução de crimes é facilitada quando as autoridades conseguem fazer uma associação direta entre os criminosos e os produtos ou recursos obtidos no crime. Justamente para evitar essa conexão, a primeira etapa da lavagem de dinheiro consiste em distanciar os recursos de sua origem ilícita. Em seguida, os criminosos inserem os valores em alguma atividade lícita e fazem sucessivas movimentações, para dificultar as investigações e o rastreamento do dinheiro, para só então utilizar o produto do crime com aparência de legalidade. Infelizmente, muitas situações aparentemente normais e legais existem apenas para alavancar o crime organizado.

O propósito da lavagem de dinheiro pode ser assim resumido: “os criminosos desejam cometer crimes, livrar-se das consequências deles e desfrutar de seus rendimentos” (PLATT, 2017, p. 55).

Dos vários modelos explicativos do processo de lavagem de dinheiro, os mais utilizados são os elaborados pelo Grupo de Ação Financeira contra a Lavagem de Dinheiro e o Financiamento do Terrorismo (GAFI/FATF) e pelo Banco Mundial, que definem o processo em três fases: colocação (placement), estratificação ou ocultação (layering) e integração (integration).

O Conselho da Justiça Federal (CEJ, 2002, p. 33) esquematizou as fases da lavagem de dinheiro da seguinte forma:

A primeira é a fase da “ocultação”, quando o dinheiro de origem ilícita passa pela primeira transformação, com vistas a adquirir menos visibilidade. Nesse momento, existem mais chances de se desvendar o crime de lavagem, tendo em vista o pequeno lapso temporal entre o momento do crime e esta primeira etapa na lavagem do dinheiro “sujo”. “E é esta a constatação que fundamenta o dever de cooperação e vigilância das instituições bancárias e financeiras (Bosworth-Davies e Saltmarsh apud Maia, 1999, p. 38). A segunda etapa do processo é a “dissimulação”. Nessa fase, o agente busca afastar o máximo possível o dinheiro “sujo” de sua origem, dando-lhe uma aparência de legalidade. Ocorrem, com frequência, múltiplas e sucessivas operações e transações financeiras, remessas aos paraísos fiscais, exportações superfaturadas, etc. A última etapa é a “integração”, ou seja, o capital ilícito retorna ao mercado através da compra de bens, da aquisição e/ou investimento em empresas e estabelecimentos lícitos, assim como através do reinvestimento desse capital obtido em negócios lícitos na própria atividade delituosa, criando-se um autêntico ciclo econômico.

Segundo o Conselho de Controle de Atividades Financeiras (1999, p. 11-12), a primeira etapa do processo é a colocação do dinheiro no sistema econômico, por meio de depósitos, compra de instrumentos negociáveis ou compra de bens móveis ou imóveis. Para dificultar a identificação da procedência do dinheiro, os criminosos aplicam técnicas sofisticadas e cada vez mais dinâmicas, tais como o fracionamento dos valores que transitam pelo sistema financeiro e a utilização de estabelecimentos comerciais que usualmente trabalham com dinheiro em espécie. A segunda etapa do processo consiste em dificultar o rastreamento contábil dos recursos ilícitos. O objetivo é quebrar a cadeia de evidências ante a possibilidade de realização de investigações sobre a origem do dinheiro. Na última etapa, os ativos são incorporados formalmente ao sistema econômico, com investimento em empreendimentos que facilitem suas atividades e, preferencialmente, com uso de empresas que prestem serviços entre si. Uma vez formada a cadeia, torna-se cada vez mais fácil legitimar o dinheiro ilegal.

Stephen Platt (2017, p. 55) apresenta um contraponto: “A desconfortável realidade é que várias transações em que o dinheiro está sendo lavado à vista de todos não são informadas às autoridades devido às expectativas criadas pelo modelo de colocação, ocultação e integração”.

A propósito, Carla Veríssimo de Carli (2012, p. 120) ressalta que o esquema não deve ser tomado com exagerado apego, “pois as fases não ocorrem, necessariamente, em momentos distintos e temporalmente separados”. Trata-se de divisão meramente didática, para melhor ilustrar as diversas fases do processo, que inclusive podem aparecer superpostas.

Ainda segundo Stephen Platt (2017, p. 52), as “transações em que o dinheiro está sendo lavado podem exibir essas características [colocação, ocultação e integração], mas, com frequência, não é isso o que acontece”. O professor apresenta vários exemplos de casos que fugiram à regra geral e, sob a alegação de que ficam acima de qualquer suspeita a transação bancária ou de corretagem que não envolva atividades identificáveis de colocação, ocultação ou integração, propõe um novo modelo de fases do processo de lavagem de dinheiro, que reputa mais abrangente:

Refiro-me a este modelo de lavagem de dinheiro com as palavras “habilitação, distanciamento e disfarce”. Ele abrange uma faixa mais ampla de condutas de favorecimento ao crime e lavagem de dinheiro em relação ao modelo antigo de colocação, ocultação e integração, sendo, portanto, muito mais efetivo para ajudar a identificar o potencial envolvimento do setor financeiro na habilitação de crimes, lavagem dos rendimentos do delito e dissimulação da propriedade de seus resultados (PLATT, 2017, p. 57).

Independente da definição adotada, a doutrina aponta as seguintes características comuns no processo de lavagem de dinheiro: trata-se de processo onde somente a partida é perfeitamente identificável, não o ponto final; e a finalidade desse processo não é somente ocultar ou dissimular a origem delitiva dos bens, direitos e valores, mas igualmente conseguir que eles, já lavados, possam ser utilizados na economia legal (BONFIM; BONFIM, 2008, p. 29).

Enfim, os países e blocos econômicos decidiram unir esforços, pois chegou-se à conclusão de que “somente uma legislação internacional sincronizada, somada a uma eficiente cooperação interestadual, poderiam ser eficazes nos âmbitos de prevenção e repressão dessa prática” (BONFIM; BONFIM, 2008, p. 17). Com efeito, foram celebradas Convenções e Tratados, além de Diretivas e Recomendações, com a finalidade precípua de somar esforços no enfrentamento da lavagem de dinheiro.

 

2.3 Legislação aplicável à lavagem de dinheiro

Na década de 1980, a comunidade internacional estava consciente de que o tráfico de drogas angariava grandes fortunas e que tais recursos eram utilizados não só para rodar a engrenagem do crime organizado, mas também para corromper as estruturas da administração pública com prática de corrupção e injetar numerário sujo em atividades comerciais e financeiras lícitas.

Chegou-se à conclusão de que era preciso despojar os traficantes do produto de suas atividades criminosas, com o entendimento de que, se os criminosos fossem privados do acesso a tais recursos financeiros, obtidos ao arrepio da lei, restaria eliminado o incentivo determinante da operação do tráfico de drogas. Nesse sentido:

Desde o final da década de 1980, cresce a preocupação com o volume de recursos financeiros oriundos do crime organizado. Parte desses recursos precisa ser, de alguma forma, “legalizada”, para que as autoridades policiais ou judiciais não atentem para sua origem ilícita. Forma de enfraquecer ou, até mesmo, de eliminar o poder das organizações criminosas seria a adoção de meios legais de prevenção e repressão à lavagem dos recursos ilícitos (CORRÊA, 2013, p. 23).

Quanto aos meios legais de prevenção e repressão à lavagem dos recursos ilícitos, há duas categorias: tratados e convenções internacionais, juridicamente vinculantes, dentre os quais destacam-se a Convenção de Viena de 1988 e a Convenção de Palermo de 2000; e regras, políticas e princípios não vinculantes, também denominados de soft law, dentre os quais destacam-se a Declaração de Princípios da Basileia e as Recomendações do GAFI. A legislação internacional foi determinante para que a maioria dos países reformulassem seu ordenamento interno.

2.3.1 Tratados e convenções internacionais

A Convenção Contra o Tráfico Ilícito de Entorpecentes e Substâncias Psicotrópicas de 20 de dezembro de 1988, também designada Convenção de Viena, representa importante marco legislativo no combate à lavagem de dinheiro, por criminalizar tal conduta e fazer outras recomendações, como o confisco dos produtos derivados do crime, respeitados os princípios constitucionais e os conceitos fundamentais do ordenamento jurídico de cada país:

A Convenção de Viena cumpriu dois propósitos principais: engajar as Nações Unidas, de forma mais concreta, no combate ao crime organizado transnacional; e criminalizar a lavagem de dinheiro. No que interessa a este trabalho, somente o último fenômeno será tratado (CORRÊA, 2013, p. 29).

A Convenção Contra o Tráfico Ilícito de Entorpecentes e Substâncias Psicotrópicas foi aprovada pelo Congresso Nacional, pelo Decreto Legislativo nº 162, de 14 de junho de 1991, e promulgada pelo Decreto nº 154, de 26 de junho de 1991.

A Convenção das Nações Unidas contra o Crime Organizado Transnacional de 15 de novembro de 2000, também designada Convenção de Palermo, que reforçou a recomendação de tipificação do crime de lavagem de dinheiro, doravante ampliando o conceito de crime antecedente, de modo a contemplar o maior número possível de infrações penais, especialmente os crimes de maior gravidade.

A Convenção das Nações Unidas contra o Crime Organizado Transnacional foi aprovada pelo Congresso Nacional, por meio do Decreto Legislativo nº 231, de 29 de maio de 2003, e promulgada pelo Decreto nº 5.015, de 12 de março de 2004.

Diz-se de primeira geração a legislação sobre lavagem de dinheiro que a criminaliza apenas quando o crime antecedente seja de tráfico de entorpecentes; de segunda geração, quando refere-se a tráfico de drogas e outros crimes graves; e de terceira geral, quando a lavagem de dinheiro decorre da ocultação de bens, direitos e valores provenientes de quaisquer crimes.

2.3.2 Legislação brasileira

A Lei nº 9.613, de 3 de março de 1998, dispõe sobre os crimes de “lavagem” ou ocultação de bens, direitos e valores.

Em sua redação original, tratava-se de legislação de combate à lavagem de dinheiro de segunda geração, adotando como crimes antecedentes: tráfico ilícito de substâncias entorpecentes ou drogas afins; terrorismo e seu financiamento; contrabando ou tráfico de armas, munições ou material destinado à sua produção; extorsão mediante sequestro; crimes contra a Administração Pública; crimes contra o sistema financeiro nacional; crime praticado por organização criminosa; e crime praticado por particular contra a administração pública estrangeira.

A Lei nº 9.613, de 3 de março de 1998, foi alterada pela Lei nº 12.683, 9 de julho de 2012, editada para tornar mais eficiente a persecução penal dos crimes de lavagem de dinheiro.

Doravante, a legislação pátria passou à categoria de terceira geração.

Atualmente, o ordenamento jurídico nacional criminaliza a ocultação ou dissimulação da natureza, origem, localização, disposição, movimentação ou propriedade de bens, direitos ou valores provenientes, direta ou indiretamente, de toda e qualquer infração penal.

A Lei nº 9.613/1998 também representa outro marco crucial no combate à lavagem de dinheiro, que consiste na criação do COAF – Conselho de Controle de Atividades Financeiras, com a finalidade de disciplinar, aplicar penas administrativas, receber, examinar e identificar as ocorrências suspeitas de atividades ilícitas previstas nesta Lei, sem prejuízo da competência de outros órgãos e entidades.

O Brasil optou pelo modelo administrativo, ao passo que em outros países essa unidade é de natureza judicial, policial, administrativa ou mista. A propósito do COAF:

O trabalho do COAF está em consonância com as orientações que vêm sendo adotadas internacionalmente pelos organismos encarregados de promover o combate à lavagem de dinheiro e, considerando que seu funcionamento segue o modelo de uma unidade financeira de inteligência – FIU, tem ampliado seus vínculos com organismos internacionais e agências congêneres de outros países empenhados na luta contra delitos dessa natureza, estabelecendo um amplo relacionamento com entidades no Brasil e no exterior para uma rápida e eficaz troca de informações (COAF, 1999, p. 35-36).

A principal função de uma unidade financeira de inteligência – FIU é estabelecer um mecanismo de prevenção e controle do delito de lavagem de dinheiro através da proteção dos setores financeiros e comerciais passíveis de serem utilizados em manobras ilegais.

Também é importante destacar a Resolução COAF nº 24, de 16 de Janeiro de 2013, que tem por objetivo estabelecer normas gerais de prevenção à lavagem de dinheiro e ao financiamento do terrorismo, sujeitando-se ao seu cumprimento as pessoas físicas ou jurídicas não submetidas à regulação de órgão próprio regulador, incluindo os Registros Públicos, mas ainda sem previsão específica para o Notariado.

2.3.3 Direito comparado: Argentina, Paraguai e Uruguai

De acordo com Marcia Monassi Mougenot Bonfim e Edilson Mougenot Bonfim (2008, p. 26), no Direito Argentino, o “encubrimiento y lavado de activos de origen delitivo” está previsto no Capítulo XIII do Código Penal (arts. 277 e ss.); no Paraguai a matéria é regulamentada pela Lei nº 1015/97 modificada pela Lei nº 3783/09; e, no Uruguai, a matéria é regulamentada pela Lei nº 19.574/2017.

 

2.4 As Recomendações do GAFI

O Grupo de Ação Financeira contra a Lavagem de Dinheiro e o Financiamento do Terrorismo foi criado em 1.989 pelos sete países mais ricos do mundo no âmbito da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico, com a finalidade de examinar, desenvolver e promover políticas de combate à lavagem de dinheiro, formalizadas por meio de Recomendações.

As Recomendações do GAFI são o alicerce para que os países e blocos econômicos possam prevenir e reprimir a lavagem de dinheiro, o financiamento do terrorismo e a proliferação de armas de destruição em massa. A propósito:

As Recomendações buscam ter aplicação universal, com a necessária flexibilidade para serem adotadas por diferentes sistemas nacionais legais e financeiros, com distintas tradições jurídicas e níveis de sofisticação. Assim, se, por um lado, buscam ser bastante abrangentes, por outro, não há preocupação em detalhar em demasia seus dispositivos. São princípios para a ação dos Estados nos campos legislativo, regulatório, institucional e administrativo (CORRÊA, 2013, p. 37).

Nos tratados e convenções internacionais, as medidas preventivas são tratadas de maneira superficial e resumida; enquanto que “nas Recomendações recebem atenção especial e são bem desenvolvidas e minuciosas” (CORRÊA, 2013, p. 40).

O principal resultado da atuação do GAFI é a existência, em diferentes países, de leis e instituições similares, que conformam sistemas nacionais voltados ao combate à lavagem de dinheiro, reforçando e modernizando o arsenal do Estado no combate ao crime, de maneira geral.

Pode-se questionar qual o alcance dessas Recomendações.

As Recomendações, inicialmente, foram elaboradas para evitar que o sistema financeiro fosse utilizado pelo crime organizado para propósitos de lavagem de ativos de origem ilícita. Desta forma, compartilham, até certo ponto, o mesmo espírito da Declaração da Basileia, que, contudo, tem escopo mais restrito, porque não se refere ao setor financeiro lato sensu, mas é direcionada especificamente aos bancos. As Recomendações, contudo, não se limitaram ao setor financeiro, expandindo seu espoco de aplicação, na versão de 2003, aos setores não financeiros [cassinos; agentes imobiliários; negociantes de joias e metais preciosos; advogados, tabeliães, contadores; e companhias de “trust”]. Essa expansão de medidas regulatórias já era preconizada na versão de 1996 (CORRÊA, 2013, p. 38-39).

A versão atual foi aprovada em 2012, por ocasião da terceira revisão oficial das 40 Recomendações, “incorporando definitivamente a ideia de enfoque baseado no risco: os países devem, inicialmente, identificar, avaliar e entender os riscos de lavagem de dinheiro”, para então adotar políticas de compliance e medidas adequadas para mitigar esses riscos (VERÍSSIMO, 2017, p. 144).

Outro ponto importante, na lição de Luiz Maria Pio Corrêa (2013, p. 41):

Quanto às medidas e providências dirigidas às áreas a serem reguladas, não apenas àquelas ligadas a instituições financeiras, mas também a setores, empresas e profissionais não financeiros, as Recomendações não deixam a critério dos Estados sua determinação, sendo explícitas quanto ao que se deve exigir. Isto explica, também, o maior detalhamento das Recomendações nesse aspecto, em comparação com as Convenções.

Tal opinião vai de encontro com o entendimento firmado no Brasil, no sentido de que a prevenção da lavagem de dinheiro no âmbito notarial ainda dependeria de reforma legislativa ou regulamentação pelo Conselho Nacional de Justiça. Para o diplomata Luiz Maria Pio Corrêa as normas do GAFI são auto aplicáveis no que se referem à criação, funcionamento e finalidades da entidade de autorregulação (EAR), bem como dos deveres impostos às atividades e profissões não-financeiras designadas (APNFD), dentre as quais figuram os notários e registradores.

Em junho de 2000, Brasil, Argentina e México foram admitidos como membros do GAFI. A importância do Brasil, segundo o GAFI, decorria do fato de ter “grande e moderno setor de serviços financeiros e de localizar-se próximo de grandes áreas produtoras de narcóticos na América do Sul”, além de regiões especialmente expostas, como a fronteira com a Colômbia e a tríplice fronteira com Argentina e Paraguai (CORRÊA, 2013, p. 187).

Apesar de ser um instrumento soft law, de caráter não vinculante, a realidade é que a atuação do GAFI vem acompanhadas de mecanismos de monitoramento do seu cumprimento pelas partes e de “estratégias direcionadas encorajar a obediência, na forma de incentivos e medidas políticas com elevado potencial persuasivo” (CORRÊA, 2013, p. 24). A contundência da atuação do GAFI pode ser facilmente demonstrada a partir do estudo de caso de um país vizinho, a Argentina, que no início, das 49 recomendações, não conseguia cumprir minimamente 47. Foi elaborado um plano de ação detalhado, com rigoroso monitoramento. Em aproximadamente três anos, a Argentina conseguiu implementar substancialmente as Recomendações do GAFI (VERÍSSIMO, 2017, p. 143-144).

A legislação mencionada tem por objetivo impedir que os produtos dos crimes de tráfico de drogas e outros delitos graves sejam utilizados em futuras atividades criminosas e afetem as atividades econômicas legais dos países. O conhecimento acerca dessas normas jurídicas é fundamental para que seja possível implementar a prevenção da lavagem de dinheiro no âmbito notarial e mercado imobiliário.

 

 

3. A PREVENÇÃO DA LAVAGEM DE DINHEIRO NO ÂMBITO NOTARIAL

 

O papel do notário na prevenção da lavagem de dinheiro será analisado sob o enfoque das competências e dos deveres impostos pela Lei nº 8.935/1994, pelas diretrizes e fundamentos da União Internacional do Notariado, regras deontológicas e, especialmente, sob a ótica das Recomendações do Grupo de Ação Financeira.

É sabido que os serviços notariais e de registro são os de organização técnica e administrativa destinados a garantir a publicidade, autenticidade, segurança e eficácia dos atos jurídicos (BRASIL, Lei 8.935, 1994, art. 1º).

No Brasil existe séria atuação institucional do notariado, com várias ações executadas e projetos de colaboração com o Poder Público. Tanto é verdade que o Colégio Notarial do Brasil recebeu, no início deste mês, o Diploma de Mérito COAF. Para o coordenador nacional da Comissão de Prevenção e Combate à Corrupção e à Lavagem de Dinheiro, Filipe Andrade Lima Melo, a indicação para o recebimento do diploma “é um reconhecimento do Poder Público do potencial do notariado na colaboração para o desenvolvimento de uma sociedade mais justa, ética e honesta”, conforme publicação no portal do Colégio Notarial do Brasil.

Não obstante o trabalho já realizado, para que o notariado brasileiro tenha participação ainda mais ativa e efetiva na prevenção da lavagem de dinheiro é preciso o engajamento do maior número possível de notários e colaboradores, tanto no âmbito do Colégio Notarial do Brasil como da União Internacional do Notariado e dos demais fóruns de debate e aprimoramento, como o próprio Notariado Jovem, até porque a Deontologia Notarial exige que “o notário deve prestar a mais intensa colaboração aos órgãos colegiais para que eles exerçam suas funções de maneira eficaz”.

Quando o notariado levanta-se para prevenir crimes e a lavagem de dinheiro não está indo além de suas atribuições, apenas cumprindo o dever legal de proceder de forma a dignificar a função exercida (BRASIL, Lei 8.935, 1994, art. 30, V).

Para tornar efetiva a prevenção de lavagem de dinheiro no âmbito notarial, deve-se potencializar a atuação notarial e com isso reforçar a segurança jurídica, bem como editar normas para padronizar a organização técnica das serventias, criando-se um verdadeiro programa de compliance notarial, cabendo ao próprio notariado implementar essas medidas e fiscalizar o seu cumprimento em todo o país.

 

3.1 Realização notarial do direito

Aos notários compete formalizar juridicamente a vontade das partes e redigir os instrumentos adequados, conservando os originais; e intervir nos negócios jurídicos a que as partes devam ou queiram dar autenticidade (BRASIL, Lei 8.935, art. 6º).

A realização notarial do direito é o fenômeno pelo qual o notário exerce na plenitude a função tabelioa e, depois de ouvir, aconselhar e aferir a identidade e capacidade das partes, confecciona o documento notarial, de modo a materializar e concretizar os direitos subjetivos.

Percebe-se que a realização notarial do direito não é evento único, mas uma sucessão de ações do tabelião. Cada uma das fases desse processo deverá ser corretamente executada, com atenção às normas legais e princípios específicos de direito notarial, para que o resultado seja o esperado: instrumento público apto a produzir efeitos jurídicos.

A realização notarial do direito deverá cercar-se de cautelas e boas práticas para minimizar os riscos inerentes à lavratura de qualquer ato notarial:

Em 2012, o GAFI revisou, pela terceira vez, o texto das 40 Recomendações, incorporando definitivamente a ideia de enfoque baseado no risco: os países devem, inicialmente, identificar, avaliar e entender os riscos de lavagem de dinheiro e de financiamento do terrorismo e da proliferação de armas de destruição em massa aos quais estão expostos; e então adotar medidas adequadas para mitigar esses riscos (VERÍSSIMO, 2017, p. 144).

Antes da lavratura de qualquer ato notarial, o notário verificará se as partes estão com os originais dos documentos de identificação, em particular a cédula de identidade ou equivalente, o CPF e, se for o caso, a certidão de casamento, pois a minuciosa identificação e qualificação das partes dificulta o uso de documentos falsos, uma das formas de ação de falsários e operadores da lavagem de dinheiro.

Com relação às pessoas jurídicas, o notário exigirá os atos constitutivos registrados e atualizados e, em caso de representação por mandato, deverá aferir se a procuração contém poderes especiais e específicos para a prática do ato notarial e se a qualificação das partes coincide com a declarada no ato a ser lavrado, conferindo o sinal público do signatário.

A perfeita identificação das pessoas físicas e jurídicas é condição para o cumprimento da devida diligência acerca do cliente:

A montagem de sistema preventivo refere-se à necessidade de os setores regulados aplicarem medidas já esboçadas na Declaração de Princípios da Basileia: conhecer seus clientes e parceiros de negócios, e manter cadastros atualizados dos clientes e registros das transações financeiras e comerciais efetuadas. No caso de pessoas jurídicas, os setores precisam conhecer a composição e o controle acionários da empresa, bem como os seus negócios. Essas informações serão de grande valia em processos penais ou administrativos de lavagem de dinheiro (CORRÊA, 2013, p. 41-42).

O notário exigirá autorização judicial nos atos que envolvam espólio, massa falida, herança jacente ou vacante, empresário ou sociedade empresária em recuperação judicial, incapazes, sub-rogação de gravames, além de outros casos previstos em lei, observado o prazo mencionado no alvará para a prática do ato, quando estabelecido pela autoridade judiciária.

Importante destacar a aplicação da prudência notarial nos atos notariais com participação de menores e de portadores de necessidades especiais qualificada pela curatela, pois em tais casos, quando o negócio for celebrado com recursos próprios do incapaz ou curatelado, dever-se-á exigir autorização judicial; e se houver dotação de recursos em proveito do incapaz ou curatelado, dever-se-á exigir a declaração do fato gerador e o recolhimento do imposto de transmissão sobre a doação, inclusive para ficar documentado o caminho do dinheiro e permitir sua rastreabilidade.

Cumprindo as formalidades legais e o disposto nas diretrizes emanadas da autoridade judiciária, o notário estará mitigando os riscos de sua atividade.

 

3.2 Sistemas eletrônicos e recursos tecnológicos

As técnicas de lavagem de dinheiro estão cada vez mais sofisticadas. Geralmente os criminosos valem-se de meios eletrônicos, falsificação de alto nível, várias camadas de transações, através do sistema bancários e meios eletrônicos, para dificultar a investigação e o refazimento do caminho do dinheiro.

Os notários têm o dever de proceder de forma a dignificar a função exercida e, durante o desempenho da função notarial, exercem cooperação com o Poder Público, especialmente no que se refere ao envio de informações, relatórios e abastecimento de dados em centrais eletrônicas.

Tais ações permitem o cruzamento de informações e maximizam o potencial de atuação do Conselho de Controle de Atividades Financeiras:

A principal tarefa do COAF é promover um esforço conjunto por parte dos vários órgãos governamentais do Brasil que cuidam da implementação de políticas nacionais voltadas para o combate à lavagem de dinheiro, evitando que setores da economia continuem sendo utilizados nessas operações ilícitas (COAF, 1999, p. 5).

O notário precisa valer-se da tecnologia e de sua expertise para conseguir fazer frente à ação dos criminosos.

3.2.1 Declaração sobre Operações Imobiliárias

A Declaração sobre Operações Imobiliárias deverá ser apresentada sempre que ocorrer operação imobiliária de aquisição ou alienação. As declarações ou comunicações, esclarece Fausto Martins de Sanctis (2015, p. 46), “constituem o núcleo do sistema internacional de combate à lavagem de dinheiro e decorrem da obrigação das entidades de conhecer seus clientes”.

“No Brasil existem também as comunicações de natureza automática, que se caracterizam não pela suspeição, mas por ter sido ultrapassado um limite ou verificado um critério objetivo” (SANCTIS, 2015, p. 47), como é o caso da Declaração sobre Operações Imobiliárias, cujo envio é obrigatório, por notários e registradores, independentemente do valor do negócio jurídico.

Além de permitir a fiscalização tributária, a Declaração sobre Operações Imobiliárias auxilia o COAF na investigação de lavagem de dinheiro, pois as informações são conciliadas com a Rede Infoseg, o Sistema Integrado de Administração de Recursos Humanos, o Sistema de Informações Rurais, o Cadastro Nacional de Informações Sociais, o Cadastro Nacional de Empresas, a Base de Grandes Devedores da União, as Bases do TSE e demais sistemas centralizados em nossa unidade financeira de inteligência.

3.2.2 Central Notarial de Serviços Eletrônicos Compartilhados

A Estratégia Nacional de Combate à Corrupção e à Lavagem de Dinheiro – ENCCLA foi precursora no país dos mais significativos esforços de integração de agentes públicos, órgãos de controle, fiscalização, persecução judicial e de fortalecimento da sanidade do sistema financeiro brasileiro. Inovou a cultura institucional ligada ao combate à corrupção, cristalizando para o bem do país a indissociabilidade entre luta contra a corrupção, o estrangulamento das fontes financeiras pelo combate à lavagem de ativos e a resultante melhoria da qualidade de nossas instituições democráticas (CARDOZO, 2012, p. 9).

Márcio Thomaz Bastos (2012, p. 32) também comentou a importância da ENCCLA: “Todos conhecem os seus frutos: programas especiais de treinamento, aprimoramento da legislação penal, criação de sistemas de compartilhamento de informações de segurança pública, entre muitos outros. Graças à assinatura de acordos de cooperação jurídica internacional, hoje é muito mais fácil recuperar os recursos públicos enviados criminosamente para fora do país”.

Pensando na necessidade de articulação e integração dos órgãos envolvidos no controle, prevenção e combate à corrupção e à lavagem de dinheiro, inclusive do ponto de vista de acesso célere a dados relevantes, a ENCCLA propôs a consulta direta a cadastros informatizados e centralizados de cartórios de registros de imóveis (meta 10/2012) e a interligação de cartórios de notas informatizados (meta 11/2012).

Em matéria veiculada no portal do Conselho Nacional de Justiça (2012), o então presidente do Colégio Notarial do Brasil, Ubiratan Guimarães, manifestou-se no sentido de que “todo o Poder Judiciário e outros órgãos, como o Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf), poderão ter acesso a informações valiosas em investigações de problemas que hoje tanto afligem a sociedade brasileira”. Por sua vez, a Ministra Eliana Calmon, então Corregedora Nacional de Justiça, destacou que “o sistema permitirá que os órgãos de controle tenham acesso automático aos atos da vida civil, que muitas vezes servem de instrumento para evasão fiscal, lavagem de dinheiro e crimes de corrupção”.

De acordo com Roberto Biasoli, então coordenador geral de articulação institucional do Departamento de Recuperação de Ativos e Cooperação Jurídica Internacional do Ministério da Justiça, “a Censec é uma ferramenta que colaborou em muito com sua inovação no combate à lavagem de dinheiro”, conforme reportagem veiculada no portal do Colégio Notarial do Brasil.

3.2.3 Central Nacional de Indisponibilidade de Bens

Em conformidade com o artigo 14 do Provimento nº 39/2014 do Conselho Nacional de Justiça, antes da prática de qualquer ato notarial, o tabelião de notas realizará prévia consulta à base de dados da Central Nacional de Indisponibilidade de Bens – CNIB, consignando no ato notarial o resultado da pesquisa e o respectivo código gerado (hash).

Trata-se de medida simples e de grande efeito prático, por dificultar a circulação de bens imóveis com imbróglios judiciais.

Tal medida está de acordo com a Recomendação nº 4 do GAFI, que prevê a adoção de medidas para prevenir quaisquer negociações, transferência ou alienação de bens congelados ou confiscados.

 

3.3 Expertise notarial

A implementação das Recomendações do GAFI foi progressiva e, “à medida que o setor bancário se conformava às Recomendações, deu-se ênfase à aplicação destas pelo setor financeiro não bancário” (CORRÊA, 2013, p. 115). O GAFI observou a necessidade de regular setores e profissões não financeiras, para onde tendiam a migrar operações de lavagem, tais como o setor imobiliário e empresarial, em que há intensa atuação da atividade notarial.

A Recomendação nº 1 do GAFI orienta para o enfrentamento adequado das situações de risco. E ao determinar como a abordagem baseada em risco será implementada em determinados setores, os países devem levar em consideração a capacidade e experiência do setor quanto à prevenção à lavagem de dinheiro.

Portanto, para que os serviços notariais não fiquem vulneráveis a ações tendentes à lavagem de dinheiro, os tabeliães deverão assimilar a legislação e as técnicas de prevenção, a fim de identificar as operações suspeitas.

Além do aperfeiçoamento profissional para enfrentamento de novos desafios, reveste-se de urgência a criação de um manual de boas práticas, com indicação expressa da situação de risco (critério objetivo) e das cautelas e procedimentos que deverão ser adotados para minimizar o risco de lavagem de dinheiro.

É preciso que o notário consiga identificar situações de risco relativamente às partes, relativamente a países ou áreas geográficas, e relativamente a transações ou canais de entrega. E mais, classificar os riscos em escalas gradativas, para priorizar as situações que exijam mais cautela e prudência notarial.

Considerando que a grande maioria dos cartórios não possuem recursos para fiscalizar todas as operações, setores, funcionários e clientes de modo efetivo, simultaneamente e com o mesmo grau de intensidade, a abordagem baseada no risco é mais do que uma solução, uma necessidade imposta pelo fenômeno da escassez de recursos (VERÍSSIMO, 2017, p. 283).

São fatores de risco relativamente às partes: clientes não-residentes no município; relação negocial conduzida em circunstâncias incomuns; negócios que envolvam grande quantidade de dinheiro em espécie; pessoas jurídicas que sejam veículos de posse de bens pessoais; estrutura empresarial incomum ou excessivamente complexa dada a natureza de negócios da empresa.

São fatores de risco relativamente a países ou áreas geográficas: localidades sem sistemas antilavagem de dinheiro e de combate ao financiamento do terrorismo adequados; países sujeitos a sanções, embargos ou medidas semelhantes emitidas pela Organização das Nações Unidas ou Organização dos Estados Americanos; e países que fontes confiáveis identifiquem como tendo níveis significativos de corrupção ou outras atividades criminosas.

São fatores de risco relativamente a transações ou canais de entrega: transações anônimas ou sem registro oficial; transações mediante pagamento com dinheiro em espécie; relações de negócios ou transações a distância, sem justificativa plausível; negócios complexos praticados por incapazes, idosos, parentes ou partes hipossuficientes; pagamento recebido de ou efetuado a terceiros, sem vínculo justificável com as partes.

Por meio da transação de compra e venda de imóveis e de falsas especulações imobiliárias, os agentes criminosos lavam recursos com extrema facilidade, principalmente recursos em espécie. A criatividade das organizações criminosas faz com que suas atuações no setor sejam extremamente dinâmicas, dificultando o trabalho de detecção das ilegalidades (COAF, 1999, p. 17).

Importante destacar que, de acordo com as notas interpretativas da Recomendação nº 22 do GAFI, as transações imobiliárias deveriam atender às exigências de devida diligência acerca do cliente tanto com relação aos compradores quanto aos vendedores da propriedade.

As obrigações de devida diligência acerca do cliente e manutenção de registros estabelecidas nas Recomendações nº 10, 11 12, 15 e 17 do GAFI se aplicam às atividades e profissões não-financeiras designadas, categoria que abraça os notários e registradores, contadores, advogados e outras profissões jurídicas.

Diante de qualquer dessas situações de risco, o notário deverá redobrar a prudência e comunicar a suspeita ao Conselho de Controle de Atividades Financeiras.

 

 

4. PROPOSIÇÕES E PERSPECTIVAS

 

Não há dúvidas de que o notário tem a oportunidade de dificultar e prevenir a lavagem de dinheiro, nem de que tal potencial ainda pode ser muito explorado, alcançando o nível de excelência da Espanha e outros países de notariado latino.

A partir de seminários, publicações especializadas, notícias institucionais e das Recomendações do GAFI, elaboramos proposições para ampliar a prevenção da lavagem de dinheiro no âmbito notarial, além do provável desenvolvimento do tema.

 

4.1 Difusão da deontologia notarial

Conforme diretrizes da União Internacional do Notariado, organização não governamental, constituída para promover, coordenar e desenvolver a atividade notarial no âmbito internacional, “o notário é obrigado a respeitar as regras deontológicas de sua profissão tanto a nível nacional, como internacional”.

Propomos a difusão das seguintes regras deontológicas:

Da preparação profissional: O notário deve procurar estar em dia com sua preparação profissional, aplicando-se aos estudos, tanto por conta própria, quanto por participações em iniciativas previstas pelos órgãos colegiais.
Da oficina notarial: O notário deve preparar, no lugar onde exerce sua competência territorial, uma estrutura capaz de assegurar- graças a utilização das tecnologias adequadas – o funcionamento regular e eficaz do tabelionato.
Das relações com os colegas e órgãos profissionais: O notário deve prestar a mais intensa colaboração aos órgãos colegiais para que eles exerçam suas funções de maneira eficaz.
Da intervenção pessoal do Notário: Em todo caso, o notário deve comprovar a identificação pessoal das partes e sua legitimidade para atuar, assim como indagar e interpretar a vontade das mesmas e sua qualificação jurídica, da maneira mais adequada.
Do segredo profissional: O notário só estará desobrigado de guardar o segredo profissional se precisar colaborar com a autoridade pública, caso se encontre obrigado, em virtude de uma norma específica ou por ordem da autoridade judicial ou administrativa, ou em todo caso da autoridade encarregada de fiscalizar as transações econômicas.

 

4.2 Criação de órgão especial de prevenção da lavagem de dinheiro

Deve-se estimular a participação de cada um dos notários brasileiros nos órgãos profissionais estaduais, nacionais e internacionais, para que além de aperfeiçoamento também possam prestar colaboração aos projetos institucionais.

No plano nacional, o Colégio Notarial do Brasil deve criar um órgão especial para funcionar como entidade de autorregulação (EAR), com a finalidade de supervisionar, monitorar e garantir o cumprimento das obrigações para o combate à lavagem de dinheiro, em atenção à Recomendação nº 27 do GAFI.

De acordo com o glossário do GAFI, a EAR é uma entidade que representa uma profissão com funções de supervisão ou monitoramento, além de aplicar regras para garantir que são mantidos altos padrões éticos e morais pelos componentes.

Com fundamento na Recomendação nº 26 do GAFI, pode-se promover uma autorregulação e supervisão do notariado, pelo próprio Colégio Notarial do Brasil, sem prejuízo da fiscalização pelo Poder Judiciário (BRASIL, Constituição, art. 236).

Notários e registradores devem implementar programas internos antilavagem de dinheiro e de combate ao financiamento do terrorismo, com compartilhamento de informações dentro do próprio grupo profissional, bem como: estabelecer precauções adicionais compatíveis com a situação peculiar de cada um dos países de alto risco; comunicar operações suspeitas; e proteger quem realizar tais comunicações de eventuais sanções por quebra de dever de sigilo; tudo em conformidade com as Recomendações nº 18, 19, 20, 21 e 23 do GAFI.

A nota interpretativa da Recomendação nº 23 do GAFI reforça a ideia de que notários podem enviar suas comunicações de operação suspeita para o órgão regulatório, a ser criado no âmbito do Colégio Notarial, sem caracterização de ofensa ao dever de privilégio ou segredo profissional.

Cabe à entidade de autorregulação a análise de comunicações de operações suspeitas, para processamento e encaminhamento à autoridade competente: Poder Judiciário, Ministério Público, Tribunal de Contas, Polícia Civil ou Polícia Federal, nos termos da Recomendação nº 29 do GAFI.

O órgão especial (EAR/CNB) deve elaborar orientações e fornecer “feedback” aos notários, para melhor aplicarem as medidas nacionais de combate à lavagem de dinheiro; e, conforme Recomendação nº 34 do GAFI, difundir técnicas para detecção de transações suspeitas.

Por fim, conforme nota interpretativa da Recomendação nº 26 do GAFI, o EAR deverá possuir recursos financeiros, humanos e técnicos em quantidade adequada, mediante associação e contribuição financeira obrigatórias por todos os notários, pois a independência e autonomia financeira são determinantes para garantir a liberdade de interferência ou influência indevidas.

 

4.3 Obrigatoriedade da escritura pública para negócios imobiliários

A confecção de uma escritura pública envolve várias fases, iniciando-se com estudo pormenorizado dos fatos narrados e documentos exibidos pelas partes ao tabelião; para em seguida analisar detidamente se a documentação que instrui o negócio jurídico guarda perfeita simetria com os fatos narrados e os anseios das partes, prestando às partes aconselhamento jurídico imparcial; para, somente então, finalizar o processo com a lavratura do instrumento público adequado, com observância da norma culta da língua portuguesa e de todas as formalidades e solenidades exigidas por lei para determinado ato jurídico.

Com efeito, apresenta-se proposição para tornar a escritura pública obrigatória em todos os negócios jurídicos que visem à constituição, transferência, modificação ou renúncia de direitos reais sobre imóveis, independentemente do valor, afastando do ordenamento jurídico nacional os instrumentos particulares e os malsinados instrumentos particulares com força de escritura pública.

 

4.4 Obrigatoriedade da escritura pública para criação de pessoas jurídicas

A 2ª Conferência Afro-Americana aprovou recomendação de caráter notarial com um chamamento ao notariado para que se comprometa a recuperar suas competências em Direito Mercantil, âmbito natural de intervenção do notário.

Dentre as medidas possíveis, uma grande implementação seria a estipulação da escritura pública como essencial à validade da constituição ou modificação das pessoas jurídicas de direito privado.

Os países poderão escolher os mecanismos que serão adotados para constituição das pessoas jurídicas, ressaltando que a adoção de escritura pública permite obter ou acessar, de maneira rápida, informações adequadas e precisas a respeito da propriedade e estrutura de controle, além de completa qualificação dos sócios, inclusive por meio da Central Notarial de Serviços Eletrônicos Compartilhados.

A melhor doutrina também afirma que, “no caso de pessoas jurídicas, os setores precisam conhecer a composição e o controle acionários da empresa, bem como os seus negócios. Essas informações serão de grande valia em processos penais ou administrativos de lavagem de dinheiro” (CORRÊA, 2013, p. 41-42).

Tal medida encontraria apoio nas Recomendações nº 1, 8, 10, 24 e 25 do GAFI, por permitir a devida diligência acerca do cliente, possibilitar a vigilância governamental, através de centrais eletrônicas, além de dar maior transparência quanto à composição e gestão de pessoas jurídicas e de outras estruturas jurídicas.

 

4.5 Compliance notarial

Compliance é uma expressão que já foi incorporada ao vocabulário jurídico brasileiro, e que “significa concordância com o que é ordenado; ‘compliant’ é aquele que concorda com alguma coisa, e ‘to comply with’ significa obedecer (VERÍSSIMO, 2017, p. 89-90).

Para elucidar o conceito, de acordo com Kuhlen “são chamadas de compliance as medidas pelas quais as empresas pretendem assegurar-se que as regras vigentes para elas e para seus funcionários sejam cumpridas, que as infrações se descubram e eventualmente sejam punidas” (VERÍSSIMO, 2017, p. 91).

A propósito de adequação ao tema proposto, Carla Veríssimo (2017, p. 138) faz a seguinte contextualização:

O tema do compliance surgiu, no campo criminal, no âmbito das medidas preventivas da lavagem de dinheiro. O principal ator e o gestor da política internacional antilavagem de dinheiro no mundo é hoje, sem sombra de dúvida, o Grupo de Ação Financeira – GAFI (em inglês, FATF – Financial Action Task Force), um grupo constituído em 1989 em caráter provisório pelo G7, que foi se tornando, progressivamente, reconhecido, alcançando autonomia, e conseguindo prorrogar sucessivamente os seus mandatos.

Seguindo os ditames das Recomendações nº 1, 18 e 35 do GAFI, a EAR deve supervisionar e monitorar a prudência notarial, para identificar quantitativa e qualitativamente a detecção de risco de lavagem de dinheiro pelo notariado, e levar em conta o resultado desse exame para direcionar sua função de orientação e treinamento. Ademais, deverá manter programa contínuo de treinamento, sem prejuízo de assumir uma função de auditoria independente para testar o sistema que será implementado e, eventualmente, sugerir sanções de natureza criminal, civil ou administrativa pelo descumprimento do plano de compliance notarial.

Importante destacar que a Organização Internacional de Padronização traçou especificações (norma ISO) para um programa de compliance:

A ISO 37001:2016 é a norma internacional que detalha as boas práticas com relação ao compliance anticorrupção, sendo aplicável a quaisquer organizações, sejam elas públicas ou privadas, com ou sem fins lucrativos, em todos os setores. De acordo com essa norma, uma política anticorrupção é um componente de uma política de compliance mais ampla, e o sistema de administração que o suporta e auxilia a organização a evitar ou diminuir os custos, riscos e danos envolvidos na corrupção, a promover a confiança no negócio e a aumentar sua reputação (VERÍSSIMO, 2017, p. 95).

Apesar da complexidade, a implementação da compliance notarial elevaria o patamar de confiabilidade, credibilidade e segurança, permitindo a identificação de desvios de conduta, a punição de crimes e, assim, a manutenção apenas de profissionais com conduta escorreita e idoneidade moral. Nesse sentido:

Quanto maior a empresa, mais complexa é a tarefa de incorporar um sistema de cumprimento normativo. Entretanto, não se deve perder de vista, na execução, os objetivos centrais de um programa dessa natureza: evitar a realização de infrações legais e detectar aquelas que, apesar das medidas de prevenção, tenham ocorrido (VERÍSSIMO, 2017, p. 276).

A Procuradora da República Carla Veríssimo (2017, p. 276-277) traz lições de Engelhart para delinear um modelo de programa de compliance:

1ª Coluna: Formulação (identificar, definir, estruturar)
– Análise de riscos e valoração dos riscos;
– Definição de medidas de prevenção, detecção e comunicação, definição dos valores da empresa;
– Criação de estrutura de compliance.
2ª Coluna: Implementação (informar, incentivar, organizar)
– Comunicação e detalhamento das especificações de compliance;
– Promoção da observância do compliance;
– Medidas organizacionais para criação de processos de compliance.
3ª Coluna: Consolidação e aperfeiçoamento (reagir, sancionar, aperfeiçoar)
– Estabelecimento de um processo para apuração de violações ao programa de compliance;
– Estabelecimento dos critérios para sanção das violações ao programa de compliance;
– Avaliação continuada e aperfeiçoamento do programa de compliance.

O programa de compliance sujeita-se a uma abordagem baseada no risco, novamente em sintonia e complemento à Recomendação nº 1 do GAFI:

Os riscos devem ser avaliados em razão de seu significado, frequência, tipo e alcance de possíveis danos (prejuízos), sendo organizados em uma escala, em razão de sua intensidade (alto risco, risco moderado, baixo risco). A identificação e a avaliação desses riscos deve ser revista e atualizada com alguma frequência, para garantir que modificações na situação sejam levadas em conta no programa de compliance (VERÍSSIMO, 2017, p. 282).

 

4.6 Regulamentação e fiscalização pelo Poder Judiciário

Notícias publicadas no portal do Colégio Notarial do Brasil informam que o Conselho Nacional de Justiça trabalha na elaboração de normas, resoluções ou provimentos, a fim de regulamentar “a forma e abrangência do dever dos notários e registradores manterem cadastro e comunicarem ao COAF – Conselho de Controle de Atividades Financeiras – operações que possam caracterizar lavagem de dinheiro”.

Trata-se de medida inovadora. Infelizmente, o legislador perdeu a oportunidade de inserir os notários no rol taxativo do artigo 9º da Lei 9.613/1998. Isto porque a recente Lei nº 12.683/2012 incluiu o inciso XIII ao art. 9º, contemplando apenas as juntas comerciais e os registros públicos.

Seja para prevenir e combater a lavagem de dinheiro no mercado imobiliário ou mediante abuso das pessoas jurídicas, reputamos que a solução encontrada pelo legislador foi inadequada. Via de regra, as juntas comerciais e os registros públicos recebem apenas a documentação concluída, sem ter qualquer contato pessoal com as partes, sejam elas adquirentes e transmitentes de imóveis, sócios ou gestores de empresas, fundações ou associações.

Ao sugerir nova redação ao artigo 9º da Lei n. 9.613/1998, assim manifestou-se o magistrado Ricardo Cunha Chimenti (JESUS, 2007, p. 48): “Mostra-se pertinente, contudo, a inclusão de um inc. XVIII, explicitando a obrigação dos titulares de cartórios quanto às escrituras que implicam a transmissão ou promessa de transmissão de bens ou direitos de alto valor”.

Contudo, tal lacuna poderá ser preenchida pelo Conselho Nacional de Justiça.

Depois da regulamentação dos parâmetros para enfrentamento da lavagem de dinheiro, eventual desconhecimento ou não exercício dos deveres impostos aos tabeliães e registradores poderia ser espancado pelo Poder Judiciário, mediante exercício efetivo da função correcional.

Nas palavras do erudito magistrado paulista Ricardo Dip (2003, p. 61):

A mais emérita das funções da Corregedoria está, neste capítulo, em fomentar e conservar a autenticidade das instituições do Notariado e dos Registros Públicos. Mas, em acepção própria, a autenticidade não é só conformar-se como existencialmente se é, mas em fazer-se efetivamente como se deve ser. Essa é uma utopia pela qual cabe todo empenho: fazer das Notas e dos Registros uma enteléquia da segurança jurídica, que eles atinjam a finalidade para qual existem.

Enteléquia é a realização plena e completa de uma potencialidade.

Enquanto os serviços notariais não forem efetivamente recrutados para o enfrentamento do crime organizado, corrupção e lavagem de dinheiro, o notariado brasileiro não estará funcionando com toda a sua potencialidade de prevenção de crimes, pacificação social e oferecimento de segurança jurídica à sociedade.

 

 

5. CONCLUSÕES

 

A lavagem de dinheiro geralmente está associada ao crime organizado, mas a evolução da legislação penal atualmente reprime a ocultação ou dissimulação da natureza, origem ou propriedade de bens, direitos ou valores provenientes de quaisquer crimes.

O caráter transnacional do crime organizado, as elevadas cifras de dinheiro sujo lavados todos os anos e os impactos negativos da criminalidade na economia e políticas públicas foram determinantes para que os países e blocos econômicos unissem esforços na prevenção e repressão da lavagem de dinheiro.

Foram celebrados tratados e convenções internacionais, diretivas e recomendações, a fim de que os países adequassem seus ordenamentos internos e padronizassem as medidas de cooperação internacional.

O notariado brasileiro contribui efetivamente com o Conselho de Controle de Atividades Financeiras e demais autoridades constituídas, valendo-se de sua expertise, do envio de relatórios e informações, e de sistemas eletrônicos.

Contudo, o notariado brasileiro tem potencial para contribuir ainda mais com a prevenção à lavagem de dinheiro. Para tanto, propomos a difusão da deontologia notarial; a criação de um órgão especial de prevenção da lavagem de dinheiro, no âmbito do Colégio Notarial do Brasil; a obrigatoriedade da escritura pública para negócios imobiliários e para a constituição ou modificação das pessoas jurídicas de direito privado; além da criação de um programa nacional de compliance notarial.

Por fim, acreditamos que o Conselho Nacional de Justiça contribuirá com a edição de normas para estipular a forma e abrangência do dever dos notários manterem cadastro de clientes e comunicarem operações suspeitas, que possam caracterizar lavagem de dinheiro.

 

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