Como ficam os “pets” com o fim do casamento ou da união estável?
De acordo com o IBGE, o Brasil está entre os países com a maior quantidade de animais de estimação. Estimava-se a população de cães em 54,2 e a de gatos em 23,9 milhões. Quando considerados os répteis e pequenos mamíferos, peixes ornamentais e aves canoras e ornamentais, a marca supera a casa dos 139 milhões de animais.
Os números são expressivos e suficientes para destacar a relevância dos animais de estimação para significativa parcela da população brasileira.
Nos casos de divórcio, separação e extinção da união estável têm sido cada vez mais comum o estabelecimento – pelos cônjuges ou companheiros – de acordo sobre diversos aspectos relativos aos animais de estimação.
Quem ficará com a posse do animal de estimação?
De que forma o outro cônjuge ou companheiro – que não ficar com a posse – poderá conviver com o pet?
Como serão divididos os custos com alimentação, saúde e bem estar do animal?
Essas e outras questões poderão constar do acordo de divórcio consensual, separação ou extinção de união estável, formalizado por escritura pública perante o Tabelião de Notas.
Na escritura pública de divórcio consensual poderão ser estabelecidas tanto obrigações de fazer como obrigações de dar coisa certa ou incerta, que nesse último caso será indicada, ao menos, pelo gênero e pela quantidade.
Por exemplo: um dos cônjuges ou companheiros pode obrigar-se: a levar o pet ao veterinário com determinada regularidade (a cada seis, doze, dezoito meses etc); a fornecer semanal, quinzenal ou mensalmente determinada quantidade de ração ou alimento apropriado; a contribuir financeiramente com certa quantia em dinheiro; a dividir ou contribuir em outro percentual que venha a ser estipulado com despesas médicas supervenientes.
E se o acordo for descumprido?
A parte prejudicada terá algumas facilidades para exigir o cumprimento do acordo, pois a escritura pública constitui título executivo extrajudicial (CPC, art. 784, II) e poderá ser apontada para cobrança inclusive nos Tabelionatos de Protesto.
Existe alguma forma do casal prevenir litígios envolvendo seus animais de estimação?
Sim! Uma opção fácil, prática e pouco onerosa é tratar do assunto no pacto antenupcial, que deve ser formalizado antes do casamento e pode tratar de diversos aspectos patrimoniais e existenciais do casal. E se o casamento civil não estiver nos planos do casal, o acordo relativo ao pet ou aos pets pode constar tanto da escritura pública de namoro quanto da escritura pública de união estável. Todas essas soluções estão disponíveis em nosso Tabelionato de Notas.
Esperamos que o Brasil avance na proteção jurídica dos animais de estimação.
Na Espanha, quando o casamento chegar ao fim, a sentença judicial ou escritura pública de divórcio deve trazer definição específica dos cônjuges sobre o destino dos animais de estimação, levando em consideração o interesse dos familiares e o bem-estar do animal; a distribuição dos tempos de convivência e cuidados se necessário, bem como os encargos associados ao cuidado do animal. Essa disposição legal está em vigor desde 5 de janeiro de 2022, por força da Lei nº 17/2021, de 15 de dezembro de 2021, que inseriu a letra b) bis ao artigo 90 do Código Civil Espanhol.
E como está essa questão no Brasil?
Infelizmente, apesar da superprodução legislativa, o Brasil ainda carece de uma legislação específica sobre animais de estimação ou de companhia.
Há uma importante decisão do Superior Tribunal de Justiça (REsp 1713167/SP), que nos oferece uma ótima sinalização de como a questão dos animais de estimação deverá ser abordada nos Tribunais e nos serviços notariais.
Eis a ementa da decisão:
RECURSO ESPECIAL. DIREITO CIVIL. DISSOLUÇÃO DE UNIÃO ESTÁVEL. ANIMAL DE ESTIMAÇÃO. AQUISIÇÃO NA CONSTÂNCIA DO RELACIONAMENTO. INTENSO AFETO DOS COMPANHEIROS PELO ANIMAL. DIREITO DE VISITAS. POSSIBILIDADE, A DEPENDER DO CASO CONCRETO.
1. Inicialmente, deve ser afastada qualquer alegação de que a discussão envolvendo a entidade familiar e o seu animal de estimação é menor, ou se trata de mera futilidade a ocupar o tempo desta Corte. Ao contrário, é cada vez mais recorrente no mundo da pós-modernidade e envolve questão bastante delicada, examinada tanto pelo ângulo da afetividade em relação ao animal, como também pela necessidade de sua preservação como mandamento constitucional (art. 225, § 1, inciso VII – “proteger a fauna e a flora, vedadas, na forma da lei, as práticas que coloquem em risco sua função ecológica, provoquem a extinção de espécies ou submetam os animais a crueldade”).
2. O Código Civil, ao definir a natureza jurídica dos animais, tipificou-os como coisas e, por conseguinte, objetos de propriedade, não lhes atribuindo a qualidade de pessoas, não sendo dotados de personalidade jurídica nem podendo ser considerados sujeitos de direitos. Na forma da lei civil, o só fato de o animal ser tido como de estimação, recebendo o afeto da entidade familiar, não pode vir a alterar sua substância, a ponto de converter a sua natureza jurídica.
3. No entanto, os animais de companhia possuem valor subjetivo único e peculiar, aflorando sentimentos bastante íntimos em seus donos, totalmente diversos de qualquer outro tipo de propriedade privada. Dessarte, o regramento jurídico dos bens não se vem mostrando suficiente para resolver, de forma satisfatória, a disputa familiar envolvendo os pets, visto que não se trata de simples discussão atinente à posse e à propriedade.
4. Por sua vez, a guarda propriamente dita – inerente ao poder familiar – instituto, por essência, de direito de família, não pode ser simples e fielmente subvertida para definir o direito dos consortes, por meio do enquadramento de seus animais de estimação, notadamente porque é um munus exercido no interesse tanto dos pais quanto do filho. Não se trata de uma faculdade, e sim de um direito, em que se impõe aos pais a observância dos deveres inerentes ao poder familiar.
5. A ordem jurídica não pode, simplesmente, desprezar o relevo da relação do homem com seu animal de estimação, sobretudo nos tempos atuais. Deve-se ter como norte o fato, cultural e da pós-modernidade, de que há uma disputa dentro da entidade familiar em que prepondera o afeto de ambos os cônjuges pelo animal.
Portanto, a solução deve perpassar pela preservação e garantia dos direitos à pessoa humana, mais precisamente, o âmago de sua dignidade.
6. Os animais de companhia são seres que, inevitavelmente, possuem natureza especial e, como ser senciente – dotados de sensibilidade, sentindo as mesmas dores e necessidades biopsicológicas dos animais racionais -, também devem ter o seu bem-estar considerado.
7. Assim, na dissolução da entidade familiar em que haja algum conflito em relação ao animal de estimação, independentemente da qualificação jurídica a ser adotada, a resolução deverá buscar atender, sempre a depender do caso em concreto, aos fins sociais, atentando para a própria evolução da sociedade, com a proteção do ser humano e do seu vínculo afetivo com o animal.
8. Na hipótese, o Tribunal de origem reconheceu que a cadela fora adquirida na constância da união estável e que estaria demonstrada a relação de afeto entre o recorrente e o animal de estimação, reconhecendo o seu direito de visitas ao animal, o que deve ser mantido.
9. Recurso especial não provido.
(REsp 1713167/SP, Rel. Ministro LUIS FELIPE SALOMÃO, QUARTA TURMA, julgado em 19/06/2018, DJe 09/10/2018)