Divórcio impositivo: primeiras impressões

O procedimento intitulado divórcio impositivo ingressou no ordenamento jurídico brasileiro através do Provimento nº 06/2019, de 29/04/2019, da Corregedoria Geral da Justiça do Estado de Pernambuco, e do Provimento nº 25/2019, de 20/05/2019, da Corregedoria Geral da Justiça do Estado do Maranhão.

A nova modalidade de divórcio nasce como direito regionalizado, com aplicação restrita aos Estados de Pernambuco e do Maranhão, infringindo a competência privativa da União para legislar sobre direito civil, processual e registros públicos (Constituição de 1988, art. 22, I e XXV).

As medidas de desjudicialização já adotadas no Brasil foram precedidas de processo legislativo. Através da Lei nº 11.441/2007, possibilitou-se a realização de inventário, partilha, separação consensual e divórcio consensual por via administrativa. O novo Código de Processo Civil passou a admitir o pedido de reconhecimento extrajudicial de usucapião. Após as mudanças legislativas, o Conselho Nacional de Justiça editou a Resolução nº 35 e o Provimento nº 65, considerando a necessidade de uniformização, em todo o território nacional, dos procedimentos relativos ao notariado e aos registros públicos.

Os Provimentos de Pernambuco e do Maranhão sustentam que, após a Emenda Constitucional nº 66/2010, o divórcio tornou-se um direito potestativo de cada um dos cônjuges. De fato, com a nova redação do § 6º do artigo 226 da Constituição de 1988 descabe falar em requisitos para a concessão de divórcio. O reconhecimento do divórcio como direito potestativo, todavia, não se mostra incombinável com o cumprimento de formalidades e solenidades impostas pelo legislador como salvaguarda da ordem pública.

Em geral, o distrato faz-se pela mesma forma exigida para o contrato. O direito potestativo à revogação do testamento, por exemplo, deverá observar o mesmo modo e forma como o testamento pode ser feito. A regulamentação do divórcio impositivo cria um divórcio unilateral, por escrito particular (requerimento, formulário padrão), de questionável segurança jurídica. A fragilidade documental do “divórcio impositivo” contrasta com o rito processual, as solenidades e inclusive com a importância social e jurídica do casamento civil.

Ao dispensar a escritura pública, o procedimento criado para o divórcio unilateral colide frontalmente com o artigo 733 do Código de Processo Civil e com a Resolução nº 35 do Conselho Nacional de Justiça. Os Provimentos de Pernambuco e do Maranhão são incompatíveis e inconciliáveis com as leis federais e normas do Conselho Nacional de Justiça que se propõem a regulamentar.

O argumento da desburocratização também não merece prosperar, pois o procedimento criado é de difícil operacionalização.

A notificação extrajudicial pessoal não é atribuição conferida aos serviços de registro civil das pessoas naturais, mas ao Registro de Títulos e Documentos, conforme artigo 160 da Lei de Registros Públicos. Ademais, sujeitam-se os registradores civis às normas estaduais definidoras das circunscrições geográficas (Lei nº 8.935/94, art. 12). Não se esclareceu como será a consulta de endereço nas bases de dados disponibilizadas ao Poder Judiciário e, caso seja necessário procedimento administrativo, a efetivação da diligência poderá ser retardada por semanas ou meses.

As iniciativas tendentes à desjudicialização e desburocratização são importantes e benéficas à população quando a alternativa ao processo judicial harmoniza-se com o ordenamento jurídico e reveste-se dos atributos de legalidade, eficácia e segurança jurídica.

Por envolver questões de ordem pública e matérias afetas ao direito civil, processual e registros públicos, torna-se imprescindível que o divórcio impositivo seja objeto do devido processo legislativo. Da maneira como instituído pelo Provimento nº 06/2019-CGJ/PE e pelo Provimento nº 25/2019-CGJ/MA, o divórcio unilateral — como exercício de direito potestativo — mostra-se incompatível com o sistema jurídico brasileiro.

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